quarta-feira, 12 de março de 2014

Negros - Luta, Resistência e Determinação.



Negros

As generalizações são sempre perigosas, mas luta, resistência e determinação são três palavras que ajudam a entender como tem sido a história dos negros em território gaúcho. Primeiramente na condição de subempregados ou escravos, depois na de libertos - porém na prática quase excluídos de alternativas dignas de sobrevivência - e finalmente, nos tempos modernos, em que a batalha passou a ser contra o preconceito racial e a discriminação social, ser negro no Rio Grande do Sul (Estado brasileiro em que há o segundo maior percentual de pessoas que se autodenominam como brancas) significa ter que fazer um pouco mais do que os demais para ser igual. E olhe lá, porque se, além de negro, for pobre (situação menos incomum do que se desejaria), aí mesmo é que as possibilidades de ser tratado com dignidade se reduzem ao mínimo.

Mas também é preciso dizer que, diante de um cenário histórico complexo como esse, em que o ressentimento e o rancor se justificariam no dia a dia das relações, o que marca a presença dos negros gaúchos é uma característica bem distinta: a alegria. Seja na música, na cultura, na política, na espiritualidade, na gastronomia, nos movimentos sociais, nas comunidades quilombolas, no esporte, em qualquer atividade.

Para comprovar essa tese, basta lembrar de alguns negros que se tornaram figuras conhecidas recentemente, obviamente graças a sua capacidade de reverterem uma condição social que lhes reservaria uma posição diferente, se não fossem determinados. O ex-governador Alceu Collares é a descontração em pessoa. Ronaldinho Gaúcho não pára de rir. O músico Giba Giba é sinônimo de pura simpatia. A líder comunitária Gessi da Rosa Fontoura até tenta disfarçar, mas não esconde o sorriso quando vê uma máquina fotográfica por perto. Os homens e mulheres que movimentam o Carnaval gaúcho, ou a diretoria da Sociedade Floresta Aurora também são pura descontração.



Em nome da Dignidade

A presença dos negros em território sul-riograndense não se iniciou com o tráfico de escravos para as charqueadas, no século 19, como se comumente se imagina. Mesmo antes do início da colonização oficial do Rio Grande do Sul, em 1737, alguns negros já circulavam pelo território sulino, a tal ponto que participaram d fundação da Colônia de Sacramento em 1680. Também tomaram parte na fundação de Laguna, em Santa Catarina, em 1684, e mesmo na Guerra Guaranítica, em 1750, assim como nos conflitos com os militares espanhóis, em 1770, quando foram lanceiros. Há registros de mão-de-obra escrava nas lavouras de trigo pertencentes a açorianos e portugueses, por volta de 1780, assim como nas feitorias do Linho-Cânhamo de Canguçu e, posteriormente, São Leopoldo, até 1824, quando chegaram os imigrantes vindos da Alemanha.

Mas foi mesmo durante o ciclo do charque, em especial da Metade Sul, que grandes contingentes de escravos, em sua maioria trazidos por traficantes da África, mas também negros nascidos do Brasil, ocuparam o Estado. Por ironia, trabalhavam em condições bastante precárias para produzir o principal alimento dos negros cativos que trabalhavam nas lavouras de cana-de-açúcar do Nordeste brasileiro.

Os negros nunca aceitaram passivamente a condição escrava, e por isso são inúmeros os registros de fuga e de formação de pequenos quilombos, como no máximo 20 integrantes, ao longo de todo o século 19. Em troca da promessa de alforria quando terminasse o conflito, participaram ativamente em diversos combates durante a Revolução Farroupilha (1835-1845), quase sempre como lanceiros. Estima-se que chegaram a representar de um terço à metade das tropas revoltosas. Até hoje é motivo de controvérsia o episódio da Batalha de Porongos, em 1844, quando tropas imperiais comandadas pelo Coronel Francisco Pedro de Abreu - conhecido como Moringue - atacou o exército farrapo, pegando desprevenido o Corpo de Lanceiros Negros e eliminando em torno de 100 soldados.. Eram na maioria escravos que lutavam para obter a liberdade sob as ordens do General David Canabarro, que supostamente os teria traído.

Também  em 1844, Porto Alegre e Pelotas anteciparam-se ao movimento abolicionista que teria seu ápice mais de 40 anos depois no país, libertando os seus escravos de suas cidades, os quais, entretanto, deveriam seguir prestando serviços a seus antigos donos por um período de cinco anos. Em 1888, com a extinção da escravatura no Brasil, iniciaram sua luta em busca da dignidade, uma vez que a libertação significou muito mais o abandono dos negros à própria sorte do que propriamente a conquista da liberdade efetiva.

Construtores de Identidade

O Estados brasileiro com o segundo maior percentual de habitantes que se dizem de origem branca ( 86%) pode até não reconhecer, mas o fato é que os negros têm presença destacada em praticamente qualquer segmento de nossa sociedade. A começar pelo Hino Rio-grandense, que de algum tempo pra cá passou a ser cantado com muita emoção nos estádios de futebol, em especial quando times gaúchos se defrontam com equipes de fora. Pois sua letra foi composta por um negro há 170 anos- o maestro Joaquim José de Mendanha, mineiro de nascimento e que por aqui se estabeleceu na época da Revolução Farroupilha.

No que se refere à espiritualidade, de outra parte, à presença de religiões afro-brasileiras é marcante no Estado. De acordo com o senso de 2000, há mais terreiros de frequentadores da Umbanda e do Batuque no Rio Grande Do Sul do que na Bahia ou qualquer outro Estado brasileiro, com exceção do Rio de Janeiro.

Políticos, sambistas, músicos, intérpretes - como o saudoso César Passarinho, negro cuja voz se transformou em ícone do nativismo - , religiosos, jogadores de futebol, líderes comunitários. Homens e mulheres de projeção, hoje ou no passado, como Daiane dos Santos e Lupicínio Rodrigues, ou não tão conhecidos, como as líderes comunitárias Marli Rodrigues, da zona norte de Porto Alegre, e Rozeli da Silva, da Restinga, Zona Sul. Nomes como o de Sami Cristina Goulart, que não tinha emprego, conseguiu um oficina de informática e hoje é educadora de um programa de inclusão digital e dá aulas em uma ETI - Escola de Tecnologia da Informação. Ou como o de Paulo César, o Paulinho, que coordena a oficina de percussão Areal do Futuro, do quilombo do Areal, na Cidade Baixa. Nomes como o de Rodrigo Alves dos Santos, que há um ano recebe sorridente aos clientes fiéis da feijoada do Plazinha, servida no tradicional hotel de Porto Alegre desde 1977.

Nomes, nomes e mais nomes de negros - mas, mais do que negros, para além de sua cor ou raça, nomes de cidadãos gaúchos, orgulhosos de sua terra e do quinhão que cada um tem na construção da identidade local.


Fonte: Rio Grande do Sul - Seu Povo. Sua Alma

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